Sinais de novos tempos se avizinham na comunidade católica de Brejo Santo. Em plena festa do Coração de Jesus, seu padroeiro, ocorre o festival de música católica, com a apresentação de composições sacras, que brotam do talento de nossos artistas. Abre-se mais uma porta para que novos compositores possam mostrar sua arte.No ano passado, tive a oportunidade de assistir parte das apresentações  do festival, onde muitos compositores, cantores e organizadores se desdobraram para que a festa fosse coroada de êxito e foi, e com muito brilho. Dentre os concorrentes, estava o compositor RAI NETO, que este ano nos deixou de forma prematura, calando sua pena e seu violão, seus companheiros e, talvez, únicos de muitos anos. Foi vítima da incompreensão e rejeição de quem, em certo tempo da vida, lhe devia tudo isso, senão por obrigação, mas pelo menos por respeito. Restou-lhe o carinho de alguns amigos e a complacência da família, que sempre o abrigou, mesmo nos dias mais difíceis de sua agonia. Mas nunca desistiu de seu sonho de ver sua arte reconhecida, através de suas canções sempre repletas de emoção e respeito pelas tradições de sua terra. Como a maioria dos nordestinos, migrou para São Paulo, ouvindo de muita gente que era ilusão. E foi. O mesmo sudeste que o recebeu, foi o mesmo que o destruiu. Voltou para seu Cariri desiludido, depois de ter perdido a família que construiu, vendo-a devastada por conta da ganância de pessoas insensíveis. Sofreu os horrores de um novo exílio, não encontrando forças para outro recomeço e sucumbiu debaixo do peso da cruz que lhe foi imposta pelo amor a sua poesia e a sua arte de cantar. Caiu de pé, diante da falta de reconhecimento de quem em vida lhe negou guarida. Enquanto vivo, foi a alegria dos carnavais, arrastando multidões nas ruas no Bloco Cabeção. Já há quem diga que o bloco não será o mesmo sem ele. Sobreviverá, mas terá de amargar a grande perda. Seus amigos compositores haverão de redobrar os esforços para preencher a lacuna deixada por Rai Neto.

Da mesma forma, o festival de música católica também sentirá sua ausência e certamente abrirá espaço para homenagear o compositor alegre e irreverente da cidade. Sua  voz forte e rasgada continuará nas canções que deixou nos discos. Seus amigos vão chorar por muito tempo a perda do parceiro de composições. A família, pai, mãe e irmãos haverão de buscar consolo na certeza de que seu nome não será esquecido, porque deixou sua marca, através de sua arte, demonstrando que sua vida não foi em vão. Apesar dos desacertos a que ele mesmo se impôs, como penitência de sua desdita, nos últimos anos de sua vida, seu funeral recebeu a prova do quanto era querido na cidade. Talvez, um momento único em que quase todas suas canções foram entoadas, como último lamento de um artista, a caminho de sua derradeira morada. No jazigo frio, certamente, encontrará a paz que tanto buscou e lhe faltou em vida.

Paulo Gondim